Enquanto aguardo os resultados, vou estando atenta ao mundo lá fora e por isso aqui fica uma reflexão que li numa revista:
“Dantes a gente ia às farmácias e via uma parede ou várias paredes cobertas de remédios. Agora não. Os medicamentos estão misteriosamente acondicionados lá mais para trás, num recatado segundo plano e diante de nós há toda uma gigantesca panóplia de bisnagas, frascos, boiões... de “estética”. É o ar do tempo a ocupar a frente do palco. Na impossibilidade –ainda- de prometer o fim da morte, garante-se o fim das rugas, o fim do envelhecimento, o fim do excesso de peso, o fim dos cabelos brancos, o fim da idade. Numa palavra, o fim do tempo.
(...)
Na vigente diluição de valores e regras, trocou-se o “nós” pelo “eu” e a publicidade obviamente corresponde, afogando as ondas hertzianas no individualismo mais feroz, “compre um carro novo, vá de férias, seja feliz, beba Coca-Cola, tenha tudo o que quer”. Mas há ainda um mais subtil convite, há esse extraordinário “atreve-te”... em prol, claro, da “felicidade”. A “tua felicidade”. Subentendido: atreve-te ao que quiseres, como quiseres.
É natural. Em nome exclusivo dessa “felicidade”(?) o mundo vetou de vez o sofrimento, tirou os velhos da frente, proibiu a idade, escondeu a morte. Tem vergonha dos que não são “felizes” porque é obrigatório ser feliz e já agora também “belo” e “jovem”, e, para isso cultive-se o corpo mais que alma, faça-se ginástica, frequentem-se os spas, pratique-se o prazer à solta. Não está a juventude, de preferência a eterna, afinal tão ao alcance da mão?
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Entretanto, as prateleiras das tais farmácias – embora lá para trás- contam já tantos ansiolíticos quanto salvíficas gotas de juventude. Também é natural."
Maria João Avillez in Revista Sábado de 17-07-2008