quinta-feira, 31 de julho de 2008

Testemunhos

Não queria tornar este espaço num diário sobre a minha doença, mas quem passa por estas situações sabe que é inevitável, especialmente porque a aprendizagem é uma constante. Nesta fase é importante partilhar e eu tenho sido uma privilegiada desde o início. 
A primeira pessoa que me deu o seu testemunho foi a Joana que, no auge da sua adolescência, teve um linfoma não-hodgkin. Fiquei impressionada com a sua força e com a naturalidade com que falou da quimioteriapia e radioterapia. Naquela altura, eu ainda pisava um terreno desconhecido e foi fundamental perceber os efeitos deste tipo de tratamentos no corpo e na mente. Já passaram oito anos e a Joana está curada e houve uma frase dela que ficou gravada na minha memória e que recordo com muita frequência, sobretudo pela coragem que me transmitiu. Ela disse que nos meus olhos havia uma alegria de viver e que era essa alegria que me iria ajudar a superar os bons e os maus momentos.
No meu primeiro tratamento, conheci a Fátima que com o seu ar aparentemente frágil, segurou-me a mão e disse-me "eu também tenho um linfoma de hodgkin e hoje é o meu terceiro tratamento". A partir daquela hora ficámos amigas, companheiras de luta, de uma cumplicidade única que se prolonga para lá das portas do hospital. As nossas caminhadas ao final da tarde são um bom exemplo disso. 
Algum tempo depois conheci a Andreia, uma verdadeira lutadora a quem a vida muito tem desafiado, desta vez com um linfoma não-hodgkin. Partilhamos as nossas dúvidas, os nossos sintomas e damos muito força uma à outra. É este o lado positivo da doença. Sentir que não estamos sozinhas. Sentir que tudo isto tem uma razão de ser. Como um teste que nos faz crescer e viver de forma mais intensa.  
Por sugestão da Andreia, comprei o livro "Viver de Amar" de Otília Pires de Lima, um excelente testemunho que quero partilhar, deixando os seguintes excertos: 

"A minha cabeça era um turbilhão na procura desesperada da saída. Encontrei-a na condição de mãe  e principalmente de filha que me impedia totalmente de fazer sofrer, a esse nível, os seres que mais amava. Por eles teria que lutar, vencer tudo e todos, ganhar o direito de continuar a viver. Dentro de mim soltou-se um grito ensurdecedor: - NÃO."

"São provações, indutores de crescimento, que nos aparecem e devemos saber aceitar, aprendendo o que nos pretendem ensinar. Chegou a minha vez de sofrer, de ver o mundo pela essência, através do que realmente importa e, de tudo quanto importa, o Amor e a Saúde estão à cabeça da lista."

"Foi-me dado o privilégio de entrar noutra dimensão, ganhar novos sentidos, passar a ver o mundo e as pessoas sob outras cores e a importância das coisas redimensionar-se com resultados incríveis."

Eu a Fátima, num dia de luta

Durante um tratamento de Quimioterapia

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Pedido de Desculpas

Uma grande amiga minha costuma dizer que “as desculpas não se pedem, evitam-se”. Mas por vezes é mesmo preciso dizer DESCULPA, porque quando damos um passo, nem sempre temos a noção que já não é possível apagá-lo...
Desculpa pelas minhas constantes mudanças de humor.
Desculpa por esperares mais de mim e de eu não corresponder.
Desculpa por não te valorizar mais quando era isso que tu merecias ouvir, vezes e vezes sem conta.
Desculpa não estar presente quando tu precisas de mim.
Desculpa a distância, a falta de tempo, a inércia e o silêncio.
Desculpa as promessas que ficaram por cumprir.
Desculpa a arrogância que tu sabes que algures também existiu.
Desculpa por te ter magoado, magoa-me a dobrar.
Desculpa por nem sempre saber retribuir em gestos, em palavras e em acções.
Desculpa, falhei. Não tenho razão.
Do fundo do meu coração, desculpa. Desculpem.

terça-feira, 8 de julho de 2008


"Escuto o meu interior,
onde personagens e narrativas aguardam
que eu lhe sopre verosimilhança
ou lhes confira a realidade"
Lya Luft

Enquanto falavas escutei-te com atenção e não pude deixar de reparar no quanto mudaste nestes últimos anos. Lembro-me da tua rebeldia e do teu espírito inquieto. Naqueles tempos, a liberdade era o teu guia. Tinhas pressa e sede de viver, viver tudo, rapidamente. Criavas sempre um bom ambiente à tua volta e a tua energia era contagiante.
O que poucos sabiam é que por detrás dessa faceta, havia uma outra. Complexa, insatisfeita, perturbada, fechada. Como um segredo que ao longo dos anos foi sendo coberto por sucessivas camadas e interiorizado ao ponto de ser praticamente imperceptível. Quase te levou ao abismo.
Hoje sei que as conciliaste. É visível no teu olhar, nos teus gestos, nas tuas palavras, na tua tranquilidade. Num momento inesperado, agarraste a oportunidade, porque não podias negar o que estava a acontecer, não era possível ignorar e seguir em frente. Isso faz de ti uma pessoa mais completa, até porque a raiz para seres feliz está e sempre esteve dentro de ti.